Quando se olha para os dados do sistema prisional da região de Campinas, o que se vê não é só um retrato do crime, mas um reflexo das desigualdades sociais que atravessam o Brasil. Segundo um levantamento feito com dados do Ministério da Justiça, a maioria dos presos é composta por homens e mulheres negros, com baixa escolaridade, e boa parte responde por crimes ligados ao tráfico de drogas e contra o patrimônio.
Números que contam histórias
De acordo com o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), a população carcerária da região soma 10.671 detentos — 20% a mais do que a capacidade das unidades prisionais comporta. Entre os presos, 60% se autodeclaram pretos ou pardos, e mais da metade tem entre 18 e 45 anos. Em termos de escolaridade, 32,6% não terminaram o ensino fundamental, enquanto apenas 22,7% chegaram ao ensino médio sem completá-lo.
A professora de direito Fernanda Ifanger, da PUC-Campinas, explica que esses números expõem a relação direta entre desigualdade social e encarceramento. “O sistema penal olha para os mais vulneráveis como um alvo fácil. Jovens negros, com poucas oportunidades, acabam sendo enquadrados pelo Estado como criminosos, e não como cidadãos que precisam de oportunidades”, aponta.
Tráfico e crimes patrimoniais lideram sentenças
Entre os delitos mais comuns, 43,2% das pessoas presas respondem ou já foram condenadas por tráfico de drogas. Logo atrás, com 41,2%, estão os crimes contra o patrimônio, como furtos, roubos e estelionatos. Outros crimes registrados incluem homicídio, violência doméstica, posse ilegal de arma e formação de quadrilha.
O levantamento também identificou sentenças que ultrapassam meio século de prisão. Um preso cumpre pena de mais de 100 anos, e 33 possuem penas entre 50 e 100 anos. No entanto, a maior parte das condenações (36%) está entre 4 e 8 anos.
Prisões que reproduzem desigualdade
Para Fernanda Ifanger, a repetição desse perfil em diferentes regiões do país evidencia como a desigualdade alimenta o ciclo de encarceramento. “Esses crimes — principalmente os relacionados ao tráfico e patrimônio — estão ligados à falta de renda e ao difícil acesso a empregos dignos. Não dá para negar que a pobreza e a prisão são duas faces de uma mesma moeda”, explica.
Ela também destaca que as prisões não atingem todas as classes sociais de forma igual. “Todos podem cometer crimes, mas nem todos vão parar atrás das grades. O sistema penal afeta de maneira desproporcional os mais pobres, enquanto crimes de colarinho branco raramente resultam em prisão.”
Reinserção ou ciclo sem fim?
Outro ponto levantado pela especialista é a falta de políticas de ressocialização. “O problema é que, em vez de preparar essas pessoas para voltar à sociedade, o cárcere muitas vezes as torna ainda mais marginalizadas. Sem apoio, elas saem sem perspectiva e acabam reincidindo no crime.”
Ela defende que é preciso repensar o modelo carcerário para quebrar o ciclo da reincidência. “Os presos estão temporariamente excluídos da sociedade, mas vão voltar. O que eles vivenciam durante o período na prisão influencia diretamente a forma como retornarão. Se a experiência for desumana, é quase certo que a sociedade pagará o preço.”
Fonte: G1 Imagem: Divulgação